Ação de Busca e Apreensão em Contratos com Alienação Fiduciária: Uma Análise Jurídica e Prática
- Dra. Ludmilla Ferreira dos Anjos
- 30 de out. de 2024
- 6 min de leitura

Resumo
A ação de busca e apreensão é um dos instrumentos mais utilizados em casos de inadimplência em contratos com alienação fiduciária. Regulamentada pelo Decreto-Lei n.º 911/69 e suas alterações, essa ação visa a retomada de bens financiados e garantidos pelo instituto da alienação fiduciária. Este artigo explora a fundamentação legal, os aspectos processuais e jurisprudenciais, as estratégias e o papel do sigilo em ações dessa natureza, destacando as obrigações do credor fiduciário e a proteção jurídica conferida ao credor no contexto brasileiro.
Palavras-chave
Busca e apreensão, Alienação fiduciária, Inadimplência, Sigilo processual, Constituição em mora
1. Introdução
A alienação fiduciária em garantia é amplamente aplicada no mercado de crédito para facilitar o acesso a bens duráveis. Esta modalidade, especialmente usada no financiamento de veículos, permite que o credor mantenha a propriedade resolúvel do bem até que o devedor cumpra integralmente suas obrigações contratuais. Diante da inadimplência, o credor pode recorrer à ação de busca e apreensão, um instrumento jurídico célere e eficiente para a recuperação do bem, fundamentado no Decreto-Lei n.º 911/69.
O objetivo deste artigo é explorar a natureza jurídica e os aspectos práticos das ações de busca e apreensão em contratos de alienação fiduciária, com ênfase nos requisitos processuais, nas estratégias do credor para garantir a celeridade processual e nos direitos do devedor em relação ao contraditório e à ampla defesa.
2. Fundamentação Legal
A alienação fiduciária em garantia é regulamentada no Brasil pelo Decreto-Lei n.º 911/69, que permite ao credor, em caso de inadimplência, buscar judicialmente a posse do bem financiado. Esse decreto, alterado pela Lei n.º 10.931/04, estabelece um rito processual célere para a ação de busca e apreensão, que concede ao credor a possibilidade de uma decisão liminar para apreensão do bem.
Segundo o art. 2º do Decreto-Lei, a constituição em mora do devedor é requisito indispensável para o deferimento da liminar. Isso geralmente é feito por meio de notificação extrajudicial enviada ao endereço informado pelo devedor no contrato. A jurisprudência consolidada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) no Tema Repetitivo 1132 desobriga o credor de comprovar o recebimento pessoal da notificação, aceitando como válida a comprovação de envio da mesma.
3. Aspectos Processuais e Estratégias Jurídicas
3.1 Constituição em Mora
Para que a mora seja efetivamente constituída, o credor deve enviar notificação ao endereço do devedor, conforme estipulado em contrato, sem necessidade de que o devedor acuse o recebimento. Essa flexibilização jurisprudencial, firmada pelo STJ, fortalece o direito do credor fiduciário, conferindo-lhe maior segurança jurídica na tomada de medidas contra a inadimplência.
3.2 Pedido de Liminar e Sigilo Processual
O deferimento da liminar é um dos pontos centrais na ação de busca e apreensão, visto que ele permite a imediata recuperação do bem. No entanto, é comum que o credor solicite que o processo tramite em segredo de justiça, visando a evitar que o devedor, ao ter ciência prévia, possa ocultar o bem, frustrando a execução da medida. Os tribunais, como o TJ-MG e o TJ-RS, têm se posicionado favoravelmente ao segredo de justiça, especialmente em casos nos quais o contraditório é diferido, ou seja, o devedor somente apresenta resposta após a execução da liminar.
4. Medidas Adicionais e Especificidades para Servidores Públicos
Em alguns casos, especialmente em ações de busca e apreensão contra servidores públicos das forças armadas ou de segurança, o credor pode requerer a expedição de ofícios para as respectivas corporações. Esses ofícios têm por objetivo informar a instituição sobre a dívida do servidor e permitir que sejam adotadas medidas disciplinares internas, conforme os regulamentos específicos de cada corporação.
Essa medida é polêmica, pois envolve o direito de privacidade e o bom nome do servidor, mas encontra respaldo legal nos regulamentos disciplinares das corporações, que proíbem a contração de dívidas superiores à capacidade financeira do servidor, sob pena de comprometer o bom nome da instituição.
5. Jurisprudência e Princípios Norteadores
O STJ pacificou o entendimento sobre a alienação fiduciária e a ação de busca e apreensão, destacando-se os princípios da celeridade processual e da eficácia executiva. Ao deferir a liminar, o juiz prioriza o direito do credor em ver cumprida a sua garantia sem que se prolongue o processo desnecessariamente. Contudo, o sigilo processual e o contraditório diferido são medidas limitadoras dos direitos do devedor, cabendo ao judiciário equilibrar esses princípios com a proteção dos interesses econômicos e sociais envolvidos.
6. A Defesa do Inadimplente em Contratos com Alienação Fiduciária: Estratégias e Argumentos Jurídicos
Embora a ação de busca e apreensão seja um procedimento que prioriza os interesses do credor, o devedor inadimplente também possui direitos e mecanismos de defesa que, quando adequadamente explorados, podem mitigar ou até reverter os efeitos da ação. Uma defesa bem estruturada visa demonstrar eventuais abusos contratuais, irregularidades na constituição em mora, ou contestar os valores e condições do contrato. Abaixo estão as principais abordagens que podem ser empregadas para defender o inadimplente:
6.1 Contestação da Constituição em Mora
A constituição em mora é uma exigência do Decreto-Lei n.º 911/69 para que a ação de busca e apreensão seja válida. Assim, é possível questionar a validade da notificação extrajudicial emitida pelo credor. Aspectos que podem ser verificados incluem:
Ausência de Comprovação do Envio: Embora a jurisprudência dispense o recebimento pessoal da notificação, é necessário que o credor comprove o envio ao endereço constante no contrato. Caso o credor não consiga demonstrar o envio, a ação pode ser considerada inválida.
Endereço Incorreto ou Não Atualizado: Se o devedor não tiver sido notificado no endereço correto ou se houver falhas na atualização dos dados pelo credor, a constituição em mora pode ser contestada, impactando a validade da liminar de busca e apreensão.
6.2 Exceção de Contrato Não Cumprido
Em casos de vícios no objeto financiado – por exemplo, um veículo com defeitos não informados ou problemas de documentação – o devedor pode alegar a exceção de contrato não cumprido. Essa defesa, baseada no Código Civil (art. 476), visa demonstrar que o inadimplemento ocorreu devido a falhas do próprio credor ou fornecedor. Se bem fundamentada, essa tese pode justificar a suspensão dos pagamentos até que os problemas sejam resolvidos.
6.3 Revisão do Contrato
Uma defesa que vem ganhando força envolve a revisão judicial das cláusulas contratuais, especialmente em situações onde há abuso nas taxas de juros ou inclusão de cláusulas consideradas onerosas ou abusivas. Com base no Código de Defesa do Consumidor (CDC), o devedor pode questionar:
Taxas de Juros Exorbitantes: O uso de juros abusivos pode fundamentar a revisão das parcelas e, em alguns casos, até a redução do valor total da dívida.
Tarifas e Multas Abusivas: O devedor pode contestar a legalidade de cobranças adicionais, como tarifas de administração, que não tenham sido esclarecidas no momento da contratação.
Em caso de sucesso, a revisão pode ajustar os valores devidos, facilitando a quitação da dívida e evitando a perda do bem.
6.4 Contestação da Liminar de Busca e Apreensão
Outra linha de defesa é a contestação da liminar de busca e apreensão concedida. A defesa pode sustentar, por exemplo, que o credor não demonstrou os requisitos necessários para a concessão da medida, como o risco de dano irreparável. Outra estratégia envolve a argumentação sobre o segredo de justiça, questionando sua real necessidade para o caso específico, e pedindo que o devedor tenha acesso às informações que afetam diretamente o seu direito de defesa.
6.5 Negociação e Extinção da Ação
Em muitos casos, uma defesa eficaz pode também incluir uma estratégia de negociação direta com o credor. A proposta de pagamento da dívida em condições adequadas ao devedor pode levar ao encerramento do processo sem a perda do bem. Isso é especialmente relevante em contextos onde a alienação fiduciária visa bens essenciais para a subsistência ou atividade profissional do devedor.
6.6 A Importância do Contraditório e da Ampla Defesa
O contraditório diferido, conforme o rito do Decreto-Lei n.º 911/69, não elimina os direitos de defesa do devedor, mas adia o momento para a contestação da ação. Assim, é essencial que o devedor busque assistência jurídica especializada logo após a execução da liminar, para que sua defesa seja apresentada de forma tempestiva e robusta. Estratégias como o pedido de revogação da liminar com base nos elementos mencionados acima reforçam o direito do devedor a um julgamento justo e equilibrado.
7. Considerações Finais
A alienação fiduciária e a ação de busca e apreensão são mecanismos robustos que permitem ao credor fiduciário recuperar o bem financiado em caso de inadimplência. O rito sumário e o entendimento consolidado pelo STJ trazem segurança ao sistema financeiro, reduzindo os riscos e os custos associados ao crédito.
Por outro lado, a legislação e a jurisprudência têm procurado garantir que o devedor tenha a oportunidade de saldar sua dívida e contestar a ação dentro de um contexto de equilíbrio entre a defesa de seus direitos e a efetividade da medida judicial. A gestão do segredo de justiça e a constituição em mora são estratégias processuais de grande importância, que impactam diretamente a execução e a segurança das relações contratuais no mercado de crédito.
Defender o inadimplente em contratos com alienação fiduciária requer um conhecimento profundo dos direitos e garantias aplicáveis a esse tipo de contrato, incluindo as brechas legais e estratégias processuais que podem beneficiar o devedor. Com uma defesa bem estruturada, é possível que o inadimplente mantenha o bem e obtenha condições mais favoráveis para regularizar sua situação financeira, reforçando a busca pelo equilíbrio entre os direitos do credor e a dignidade do devedor.
Referências
Brasil. Decreto-Lei n.º 911/69, de 1º de outubro de 1969. Dispõe sobre a Alienação Fiduciária em Garantia.
Brasil. Lei n.º 10.931, de 2 de agosto de 2004. Altera e acrescenta dispositivos ao Decreto-Lei n.º 911/69.
Superior Tribunal de Justiça, Recurso Especial n.º 1.418.593-MS.
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