O PRINCÍPIO DO NÃO-CONFISCO CABE NOS CASOS DE MULTAS TRIBUTÁRIAS?
- Dra. Ludmilla Ferreira dos Anjos
- 23 de jul. de 2020
- 4 min de leitura
Sabemos que nossa carga tributária já é pesada, mas como sabemos se estamos sofrendo uma sanção no lugar de apenas um “corretivo” por atraso no pagamento de algum tributo nosso? No decorrer do texto demonstrarei o pensamento dos tribunais e do STF em casos que as multas se tornam onerosas ao ponto de o valor poder ser diminuído pelo efeito do princípio do não-confisco e pelo princípio da proporcionalidade.
Para iniciar o pensamento, devemos deixar claro o que e onde se encontra o “tal” princípio do não-confisco já mencionado. Tal instituto está descrito na Constituição Federal, no artigo 150, IV que nos traz:
Art. 150, IV: É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos municípios utilizar tributo com efeito de confisco.
O tributo ser considerado confiscatório, significa dizer que ele possui uma tributação excessiva e antieconômica, ou seja, uma cobrança abusiva e que ataca além da capacidade contributiva do contribuinte, também seu direito de propriedade.
Já a multa tributária, poderia ser classificada como uma punição por uma ação ou omissão do contribuinte, que está descrita em lei. Vale ressaltar que o tributo é diferente da multa, pois o primeiro não pode ser instituído com o intuito de sanção (um dos requisitos para se instituir um tributo).
Os tribunais fazem o nexo de causalidade entre a infração cometida e a proporcionalidade do valor a ser cobrado a título de sanção. Ou seja, a infração cometida pelo contribuinte gerará multa equivalente ao feito e tão somente a isto.
Apesar de o princípio estar classificado na Constituição Federal, para tal instituto não foi descrito uma definição do que seria considerada uma cobrança confiscatória, deixando para os tribunais definir pelo princípio da razoabilidade e da proporcionalidade o que seria considerado confisco ou que estaria sendo cobrado de forma correta.
O próprio Ministro Ricardo Lewandowski, em votação ao Recurso Extraordinário 657.372/RS, disse:
“Como destacado na decisão ora agravada, é certo que esta Corte já fixou entendimento no sentido de que lhe é possível examinar se determinado tributo ofende, ou não, a proibição constitucional do confisco em matéria tributária, nos termos do art. 150, IV, da CF, e que esse princípio deve ser observado ainda que se trate de multa fiscal resultante do inadimplemento pelo contribuinte de suas obrigações tributárias…”
Temos também em entendimento consolidado que multas acima de 100% do valor do tributo, são consideradas confiscatórias pelo RE 657.372/RS; Rel. Min. Ricardo Lewandowski:
EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. MULTA FISCAL. CARÁTER CONFISCATÓRIO. VIOLAÇÃO AO ART. 150, IV, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. AGRAVO IMPROVIDO. I – Esta Corte firmou entendimento no sentido de que são confiscatórias as multas fixadas em 100% ou mais do valor do tributo devido. Precedentes. II – Agravo regimental improvido. (grifo nosso)
Em Goiás também temos o mesmo entendimento quanto ao caráter confiscatório de valores acima de 100% pelo AgRg no RExt 833.106/GO em que o relator, ministro Marco Aurélio, limitou em 100% sobre o valor do tributo o percentual da multa imposta a uma empresa goiana, impondo assim um limite ao percentual da multa tributária.
Em casos de ICMS em Goiás, não caberia a limitação de 100% acima do valor do tributo por conta de sua alíquota ser de 17%. Portanto no RExt 754.554/GO, o ministro Celso de Mello se posicionou que uma multa de 25% já é considerada confiscatória caso ultrapasse o valor da obrigação.
Multa por descumprimento de obrigação acessória temos uma repercussão geral no RExt 640.452/RO, onde o ministro Joaquim Barbosa definiu que multas entre 20% e 100% não são consideradas confiscatórias. O ministro Joaquim Barbosa disse:
Examino a repercussão geral da matéria discutida.
(...)
De fato, diante do potencial de variações dos quadros fáticos-jurídicos, é altamente improvável que se possa firmar precedente genérico que reconheça como constitucionais ou inconstitucionais, em todo e qualquer caso, multas fixadas em patamares inferiores a 100% do valor das operações, (5%, 10%, 40% etc). As violações constitucionais, se existentes, costumam estar ligadas às circunstâncias específicas de cada caso, nem sempre bem retratadas.
Porém, neste caso, não há controvérsia acerca da situação de fato. Estamos diante de discussão alçada exclusivamente ao plano constitucional.
(...)
De regra, as multas tributárias são graduadas de acordo com a intensidade da conduta ilícita. Omissões intencionais, destinadas a ocultar a ocorrência do fato gerador ou diminuir dolosamente tributo que se sabe devido costumam ser punidas com rigor. Não é incomum que o valor da multa alcance até o triplo da quantia que o contribuinte comprovadamente pretendeu sonegar (a prova da intenção específica de sonegação é requisito para a exacerbação da pena pecuniária).
Por outro lado, omissões e incorreções que acarretem tributo devido, mas sem que a autoridade fiscal identifique ou comprove intenção específica de sonegar, são censuradas com multas que variam entre 20% a 100% do valor remanescente a título de tributo.
(…)
Diante do que esclarecemos, temos que mesmo que a multa não seja um tributo, o STF deixa claro com seu entendimento que o princípio do não-confisco é aplicado sim em casos de cobranças abusivas.
Entretanto, pela falta de uma “explicação” do que é considerado confiscatório ou não, os tribunais têm que analisar cada caso, por meio da proporcionalidade e da razoabilidade para definir se a cobrança está sendo abusiva ou não, ficando os contribuintes com o entendimento de até então de que a cobrança acima de 100% do valor da obrigação será considerado confisco.
Portanto, tanto o contribuinte pessoa física e jurídica como o fisco devem ficar atentos aos julgamentos do Supremo Tribunal Federal para aqueles não terem os direitos violados e estes não violarem direitos.
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